A primeira “Super Quarta” após a implementação de tarifas recíprocas por Donald Trump trouxe consigo um clima de apreensão que se refletiu nas decisões de política monetária dos bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos. Em um cenário global marcado por incertezas econômicas, as autoridades monetárias de ambos os países optaram pela cautela, embora suas decisões, em grande parte, já fossem antecipadas pelo mercado.
Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) manteve a taxa de juros no intervalo entre 4,25% e 4,50% ao ano. Já no Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa Selic para 14,75% ao ano, confirmando as expectativas da maioria dos analistas.
Apesar da previsibilidade das decisões, a atenção do mercado se volta agora para o dia seguinte. Quais serão os impactos na Bolsa de Valores e no câmbio? Haverá uma elevação nas curvas de juros, especialmente diante da ausência de indicações claras sobre o fim do ciclo de alta no Brasil?
Para Roberto Padovani, economista chefe do banco BV, o panorama global tem exercido uma influência mais significativa do que as dinâmicas internas. “Temos que ver como vai ser a abertura dos mercados internacionais amanhã, é isso que vai definir o jogo”, pondera. No pré-mercado, os futuros dos principais índices de Nova York sinalizavam uma reação negativa à decisão do Fed, embora de forma ainda discreta.
Raphael Figueiredo, estrategista de ações da XP Research, ecoa a cautela, observando que “a incerteza que os dois bancos centrais colocaram à frente também está na ponta do investidor”. Contudo, ele vislumbra um cenário de normalidade no curto prazo, com a possibilidade de “algum ajuste” no dia seguinte.
Marcio Saito, CFO da Entrepay, antecipa uma abertura de mercado cautelosa, com investidores possivelmente reavaliando suas posições, especialmente em setores mais sensíveis ao crédito. Ele também alerta para a potencial volatilidade no mercado de commodities, com destaque para o setor agrícola, influenciado pelas oscilações do dólar. “O câmbio deve refletir a pressão sobre o real, com o dólar possivelmente buscando níveis mais elevados, dado o cenário de incertezas externas, incluindo os reflexos da guerra comercial entre EUA e China”, avalia.
A própria comunicação do Banco Central do Brasil ressaltou a dependência do cenário internacional, um ponto também enfatizado por Pablo Spyer, o “Tourinho de Ouro” e conselheiro da Ancord. “A decisão também reflete um cenário externo mais desafiador, com destaque para o aumento das tensões comerciais globais, que elevam a incerteza e podem gerar efeitos indiretos sobre os preços e a atividade econômica no Brasil”, afirma Spyer.
Analistas apontam que a perspectiva de juros elevados nos EUA em 2025 também contribui para um cenário cambial mais volátil, o que, segundo Saito, pode criar um ambiente ainda mais desafiador para economias emergentes como o Brasil. “A pressão sobre o real tende a continuar, impactando os preços dos bens importados e o equilíbrio fiscal do país”, complementa. Luan Cordeiro, economista da Droom Investimentos, corrobora essa visão, mencionando a “fuga de capitais de países emergentes” impulsionada pelo aperto monetário em economias avançadas.
No que diz respeito aos juros futuros, Flávio Serrano, economista-chefe do Bmg, observa uma tendência de elevação das apostas de que o Copom manterá a Selic em 14,75% em junho, sinalizando o possível fim do ciclo de alta. Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos, compartilha dessa perspectiva, acreditando que a decisão do Copom deve levar o mercado a recalibrar as expectativas de novas altas na taxa básica de juros.
O JPMorgan, em sua análise, embora não descarte uma elevação de 25 pontos-base na Selic em junho, prevê que a taxa básica deverá permanecer em 14,75% até novembro, quando as condições econômicas e a desaceleração da inflação poderiam abrir espaço para um ciclo de cortes.
A cautela nos passos dos bancos centrais, tanto no Brasil quanto nos EUA, em meio a um cenário global turbulento, demonstra a complexidade do momento econômico e a interligação dos mercados. As próximas horas e dias serão cruciais para entender como essa “Super Quarta” pós-tarifas de Trump moldará as expectativas e os rumos da economia.